quarta-feira, 27 de setembro de 2023

História - As tradições orais e a valorização da memória

História de Kupẽ Nhêp

[...] Outra história de origem é aquela que conta como se modificou a língua e os nomes grandes, os quais foram incorporados no decorrer do tempo pelos Apinajés, segundo relatos de Maria de Jesus Sirax.  A história de kupẽ nhêp (homem morcego), faz parte de outra lógica de acreditar e que vem complementar a fundamentação e a compreensão dos conteúdos simbólicos de outras histórias e dos mitos já citados anteriormente.

De acordo com os relatos de Maria de Jesus Sirax, kupẽ nhêp (homem morcego) era um povo habitante de caverna dentro do território, localizada na passagem entre as antigas aldeias Botica e Curralinho – atualmente chamado de Cocalinho. No passado, havia uma população muito maior entre as aldeias e uma delas é a Botica. Os homens costumavam sair para caçar ou até mesmo para visitar outras aldeias como as aldeias Curralinho, Macaúba e Botica e faziam toda essa rota caminhando.

Alguns deles passavam pela caverna dos kupẽ nhêp e estes os atacavam, matavam, golpeavam na nuca com machado de pedra e carregavam o corpo preso com as patas. Naquela época, a população era muito grande, de modo que ninguém sentia falta das pessoas que desapareciam.

Um dia, alguém percebeu que estava diminuindo a população, mas não se sabia por qual motivo. Então passaram a investigar essa misteriosa matança das pessoas daquela aldeia. Mandaram duas pessoas para fazer passagem pela caverna dos kupẽ nhêp. Ao se aproximarem, um deles ficou para trás. Resolveu entrar nas moitas para fazer necessidade fisiológica, enquanto o seu companheiro foi na frente. De repente observou um kupẽ nhêp descendo do alto da montanha com kop jamã (instrumento para matar), em direção ao homem que estava passando pela caverna. Atacou, o matou, e voltou carregando-o para o alto da montanha. O companheiro que ficou para trás observou aquilo e ficou com medo. Dali mesmo voltou para aldeia e não seguiu em frente. Ao chegar contou o ocorrido ao seu povo. Então, finalmente, foi descoberta a causa das mortes misteriosas das pessoas: eram esses homens morcego que estavam matando os homens daquelas aldeias.

Na versão de Maria de Jesus Sirax, kupẽ nhêp já tinha causado a morte de milhares de pessoas, por isso a população estava sendo reduzida. Porém a causa foi percebida a tempo e o povo tomou uma decisão de atacar e matar os kupẽ nhêp como forma de vingança, pela morte de milhares de pessoas da aldeia.

Deslocaram homens da aldeia em grande quantidade com arco e flechas. Cercaram a caverna e decidiram colocar palha na entrada da caverna para colocar fogo. Um grupo subiu até o alto da serra para bloquear a saída do alto. No entanto, um dos homens pôs fogo por baixo, na entrada da caverna. Como a estratégica montada para matar os homens morcego não foi segura, eles conseguiram escapar pelo buraco no topo da caverna e fugiram todos em direção a sudoeste do território.

Quando entraram no interior da caverna, os homens observaram o formato circular das casas, pátio e muitos vestígios ali. Por baixo de uma pedra encostada na parede da caverna havia um filhote de kupẽ nhêp deixado pelos pais. Alguns quiseram matá-lo. Um dos homens pegou-o para levar consigo, talvez pelo fato que era um casal que não tinha filho, por isso levou-o para ser adotado. À noite, o filhote de kupẽ nhêp não dormia deitado. Sua mãe aconselhou que colocasse uma vara para ele que agarrou com suas patas em posição de cabeça para baixo e dormiu tranquilamente. O tempo passava, o filho de kupẽ nhêp já estava crescido e na oportunidade em que foi ao banho com sua avó levou uma porção de areia do ribeirão, pediu que fizesse a espécie de ê gre que significa pipoca na língua de kupẽ nhêp. A princípio sua avó se recusou a fazer ê gre, porque não sabia o que era, mas depois atendeu. Ao voltar do banho, o filho de kupẽ nhêp orientou sua avó para que colocasse areia trazida do ribeirão num recipiente. O próprio filho de kupẽ nhêp levou ao fogo os grãos de milho, gerou a espécie de pipoca que os Apinajé não conheciam. Ele comeu a pipoca de milho e fazia brincadeiras com cantos dos seus ancestrais. Até então não se sabiam os cantos de kupẽ nhêp entre o meu povo, e aquilo serviu como aprendizagem para sua avó. O filho de kupẽ nhêp disse que deveriam existir, entre os Apinajé, os nomes como Grer, Pãx, Ire, Màxỳ e outros, como forma mais adequada, como verdadeiros nomes que passam para os filhos e netos. O filho de kupẽ nhêp morreu ainda jovem, não deixou herdeiro entre os Apinajés, segundo relatos de Maria de Jesus Sirax. [...]

Autores: Cassiano Apinagé e Odair Giraldin

Nenhum comentário:

Postar um comentário